quinta-feira, 28 de junho de 2018

Epílogo de novela





Quando eu estudava no nono andar da Corporação, eu fiz uma viagem que estava longe de ser a melhor de todas. O que eu vou contar aqui foi algo que aconteceu depois dessa viagem.

Tínhamos que escrever um texto relacionando os temas da viagem com os eixos das matérias envolvidas — Poranduba, Xerografia e Erudição Natural. Foi uma bateria de exames desse tipo: um individual, outro em dupla e, por fim, um debate mediado.

Enfim, nossa turma estava fazendo a parte desse sistema de avaliação em duplas. Minha dupla era uma garota chamada Caracol. No meio da prova, eu e Caracol começamos a discutir. De repente, ela começou a chorar, dizendo que precisava de nota e que não podia ir mal naquela prova senão ela teria que estudar no mesmo andar no ano seguinte. As meninas que eventualmente estavam perto de nós me olharam como se eu fosse o vilão da história, mas elas estavam enganadas. Eu era apenas uma peça do sistema. Fiquei marcado aquele dia, pois caíra no conceito de meus colegas, principalmente Caracol.

A verdade é que eu mal estudara para aquela prova e não via sentido na viagem que fizemos. Talvez, se eu tivesse estudado o que nós estudamos com um pouco mais de maturidade, as coisas poderiam ter sido diferentes. Gosto de citar um autor iluminista chamado Jean Jacques Rousseau, que diz “o homem nasce bom e a sociedade o corrompe”. Quer dizer que eu, enquanto estudava no nono andar da Corporação, não me relacionava tão bem quanto eu me relaciono hoje. A Caracol pensou que eu ia ferrar ela, entretanto, as minhas intenções eram boas e meu último ano na Corporação parecia um epílogo de novela, com todo mundo atrás do perdedor.

A viagem foi complexa e envolvia uma série de “traslados” (palavra que significa viajar de um lugar para o outro). Primeiro nós pegamos um avião de Juca Leão (SP) até uma cidade pernambucana chamada Petrolífera, onde nós pernoitamos. No dia seguinte, visitamos a usina hidrelétrica de Fazendinha, na cidade baiana de Cruzeiro. Depois, conhecemos um polo fruticultor e, no final do dia, navegamos até uma ilha para estudar a cultura local, por meio de aldeões e ribeirinhos. Sem falar que subimos em um mirante para desenhar uns croquis.

Pegamos a estrada no segundo dia com destino a Santa Raimunda Nonata, uma cidadezinha no interior do Meio Norte. Lá, visitamos o Parque Nacional da Serralheria Capivarense, onde se acredita ter sido o “lar” dos primeiros inquilinos do Brasil. Deve ter sido a parte mais interessante da viagem, porque tivemos contato com registros de pinturas rupestres datados de muitos anos atrás! O pior foi o retorno para casa.

Já em Juca Leão (SP), com a armação de meus óculos quebrada (porque eu sentei neles), meus pais foram conversar comigo sobre minhas notas. Além do papo habitual de sempre, eles disseram que conversaram com o então primeiro-ministro da Itália Sílvio Berlusconi e que ele lhes relatou que o tutor de Engenharia Básica desistira de mim. Aquilo me chocou muito. Como que um tutor desiste de um aluno? Assim, no duro?

No dia seguinte, fazia frio, e fui à escola com meu moletom Borgonha. Assim que cheguei ao gabinete, vesti o capuz. Minha aliada Nina percebeu que algo estava errado e falou com o tutor de Erudição Natural sobre o meu comportamento, que veio ao meu encontro.

“Matheus, você está bem?”, ele disse, olhando no fundo dos meus olhos.

Não respondi. De repente, escorrem algumas lágrimas de meus olhos. Virei o rosto.

“Matheus, por favor, vamos para fora respirar...”, disse o tutor.

Eu levantei da carteira e uma colega do gabinete perguntou:

“O que aconteceu?”

“Agora não...”, disse o tutor.

Fora do gabinete, o tutor me perguntou:

“O que aconteceu com você, Matheus? Está tudo bem?”

“Não quero falar sobre isso...”.

“Mas você está chorando!”.

Fui ao banheiro, lavei o rosto e voltei para a aula. Eu deveria ter feito alguma coisa. Eu deveria ter falado alguma coisa. Não podia ter aceitado os fatos tão passivamente! Eu sabia que o então primeiro-ministro da Itália Sílvio Berlusconi estava mentindo, mas precisava ter certeza, caso contrário eu seria acusado por Catalunha e difamação. Simplesmente ignorei o fato e segui a vida.

Minhas matérias favoritas naquela época eram Erudição Natural e Desenvolvimento Artístico. Desde o início do ano as turmas eram separadas em dois grupos; no primeiro semestre um grupo ia para a aula de Desenvolvimento Artístico, enquanto o outro ia para a aula de Desenvolvimento Dramático. E no segundo semestre invertia, quem estava em Desenvolvimento Dramático ia para Desenvolvimento Artístico e vice-versa. Na aula de Desenvolvimento Artístico, tínhamos esse projeto de estêncil, como uma forma de aproveitar os tapumes da então reforma da Corporação e estudar os diversos tipos de arte urbana. Eu me engajei bastante e até consegui fazer uma amizade com o tutor, quando eu mostrei as fotos da primeira vez que ele fez o projeto na Corporação, dois anos antes, com os alunos.

Além disso, numa sexta-feira em março, conversamos sobre nossos planos do fim de semana. Eu disse-lhe que ia fazer minha festa de aniversário de 15 anos e ele me disse que ia levar os filhos para a Serra da Dançareira, no norte de São Paulo. Esses eventos seriam no dia 22 e, ao criar uma conta no Instagram, escolhi como nome de usuário matheus_2203.

O meu estêncil era uma fotomontagem de uma lata de energético Red Bull com asas de borboleta. Minha aliada Nina fez o palhaço do McDonald’s oferecendo drogas e a Chefe de Operações Cívicas Valentina fez uma bailarina com a cabeça do personagem Mike Wasowski, de Monstros S.A.

Teve um momento em que as disciplinas de Desenvolvimento Artístico e Erudição Natural propuseram um trabalho de manipulação de imagem e técnicas fotográficas. Tratava-se de um processo de revelação de fotos chamado “cianotipia”, em que eram utilizados produtos químicos como o azul da Prússia. Para isso, era preciso ter em mãos as fotos impressas em acetato. A maioria dos meus colegas pegou as fotos da viagem que fizemos ao semi ardido brasileiro, mas eu fui pela contramão.

Eu tinha o costume de, após vestir camisa e gravata para uma ocasião especial, colocar a câmera no tripé e configurar o temporizador para fazer selfies. Resolvi pegar uma delas, em que eu fazia uma pose com as duas mãos na cintura, e enviar no portal para ser impressa. Os tutores de Erudição Natural e de Desenvolvimento Artístico acharam um barato e o meu trabalho se destacou entre as fotos do semi ardido.

No final do ano, lá pelo último trimestre, na aula de Erudição Natural, o tutor propôs um debate com o tema “energia nuclear” e dividiu a turma em favorável e contra. Não lembro qual era meu “time”, nem quem “ganhou”, só o que meu aliado Caramelo me perguntou, enquanto discutíamos as informações em grupo.

“Matheus, você é wasabi?”, disse ele e nada mais.

Não soube o que responder. Wasabi é uma organização secreta que atua nas sombras de Juca Leão. Por que o meu aliado pensaria que eu sou wasabi? Seria o meu comportamento? A maneira como eu falava? Ou escrevia? Ou me vestia? Foi aí que eu descobri que meu “império” na Corporação tinha chegado ao fim. Eu não era mais aquele Matheus do sexto andar que era amado e respeitado por todos. Eu era agora um Zé Ninguém, um zero à esquerda. Minha reputação era a mesma de quando eu estava na quinta ordem. Algo deveria ser mudado.

Eu não tinha planos de continuar o Ensino Intermediário lá e, por isso, resolvi continuar os estudos em outro lugar, além de eu estar no último andar do Ensino Fundamentalista. Prestei diversos exames de entrada — e passei em todos. Finalmente, escolhi a Entidade, e foi lá que pude recomeçar o que eu havia perdido, dessa vez aprendendo com os erros.

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