quinta-feira, 30 de abril de 2020

Os Três Suínos Neoliberais


Observação: Tenha em conta de que este texto é conjuntural. Ele foi baseado em algo que aconteceu há muito, depois das eleições municipais de 2016. Obrigado. Boa leitura!

Era uma vez uma senhora suína chamada Jennifer. Ela morava com seus três filhos: Temério, Alquimista e Dorival. Um dia, Jennifer percebeu que seus filhos precisavam cuidar de suas próprias vidas, além de que ela já estava ficando idosa de mais.
“Queridos, como devem perceber, estou ficando idosa e não quero que os senhores percam mais tempo comigo. Gostaria que vocês arranjassem uma ocupação, que construíssem uma casa, uma família... Mas cuidado com o lobo Petrônio! Ele é o cobrador de impostos mais tirano que esta nação já teve, e é o mais temido das redondezas.”
“Teremos cuidado, mãezinha!”, disse Dorival, o filho caçula e, consequentemente, o mais esperto.
“Mantenham contato!”, completou a senhora Jennifer.
Os três irmãos suínos saíram da casa, cantarolando uma música, quando se depararam com Petrônio, o lobo cobrador de impostos.
“Ora, ora, ora...”, iniciou o lobo. “Se não são os descendentes dos arqui-inimigos do meu descendente? Como eram chamados, mesmo? Heitor, Cícero e Prático! E vocês, com se chamam?”
Os três suínos entreolharam-se. Não sabiam ao certo se deveriam confiar no canídeo, mas Temério, o irmão mais velho e, consequentemente, ingênuo, arriscou:
“Eu sou Temério, este é Alquimista e este é Dorival.”
“Sabem, senhores, de acordo com o Livro de Regras”, nesse caso, Petrônio referia-se à Teoria da Evolução, de Darwin. “Somente o mais forte ou o mais esperto, ou ambos, deve sobreviver. Estava aqui cobrando alguns impostos, quando os ilustres chegaram. Será que os cavalheiros não gostariam de contribuir positivamente nessa coleta?”
“Sinto muito, Petrônio, agora não podemos contribuir com nenhum recurso... Fica para a próxima, certo?”, disse Temério.
“Tudo bem”, resmungou Petrônio.  “Mas quando nos encontrarmos novamente, quero o dinheiro dos impostos!”
Os três suínos e Petrônio seguiram pelo mesmo caminho até chegarem a uma bifurcação: os porcos seguiram para a direita e o lobo para a esquerda.
Temério, Alquimista e Dorival deram de cara com três percursos adicionais que levavam a lugares diferentes, mas não muito distantes entre si.
Na primeira placa estava escrito "Presidência da República (sede em Brasília) - população: duzentos e seis milhões e oitenta e um mil habitantes".
A segunda placa dizia: "Governo do Estado (sede em São Paulo) - população: quarenta e um milhões e duzentos e sessenta e dois mil habitantes".
E na terceira e última placa lia-se: "Prefeitura (sede em São Paulo) - população: onze milhões e trinta e dois mil habitantes".
O irmão mais velho, Temério, tomou a iniciativa:
“Sou experiente em administrar uma quantidade "pantagruélica" de indivíduos!”, Temério gostava de palavras difíceis. “Sou um líder nato! Por isso, irei para Presidência da República, mostrar minha supremacia.”
E o suíno partiu.
Alquimista, o irmão mais tímido, disse:
“Quero administrar uma cidade em que sou respeitado pelo que faço. Quero ter seguidores, e alguns descontentes com meu trabalho, porque um verdadeiro príncipe” (Alquimista gostava de citar os clássicos, principalmente Maquiavel.) “deve ter amantes e descontentes! Por isso, seguirei meu caminho para o Governo do Estado.”
E o suíno partiu.
Por fim, Dorival, o irmão caçula, falou:
“Não sou muito experiente em governar grandes massas, mas nem por isso deixarei de governar. Por isso, escolherei Prefeitura e liderarei a população.”
E o suíno partiu.
Na Prefeitura, Dorival, que era inexperiente na construção civil, fez uma casa de palha, no centro da cidade, e no lugar mais alto, onde podia ver tudo e todos. O suíno observou que apenas tartarugas transitavam nas avenidas e ruas principais, com uma velocidade média de cinquenta quilômetros por hora.
A primeira coisa que Dorival fez ao chegar a cidade foi alterar o limite de velocidade para setenta quilômetros por hora, assim lebres, leões, jaguares e guepardos podiam circular livremente pelas autoestradas.
Dorival também percebeu que os símios estavam invadindo o espaço reservado aos leporídeos, canídeos e felídeos, fazendo caminhadas. Mas nisso, o suíno não alterou nada, porque caminhar faz bem à saúde. Ao final do dia, Dorival descansou em sua casa de palha no centro da cidade.
No Governo do Estado, Alquimista estabeleceu-se perto de uma grande cachoeira, onde construiu sua casa com toras de madeira. Lá, ele podia administrar a cidade, além de matar a sede. O suíno não tinha esse nome por nada. Ele, desde filhote, estudava os segredos da alquimia. Então, desde que chegou ao Governo do Estado, procurou uma grande catarata para de lá conseguir transformar água em ouro. Algum tucano perguntou-lhe sobre crise hídrica, mas Alquimista não soube responder.
Temério construiu sua casa na Presidência da República (sede em Brasília), que ficava mais distante que as cidades de Prefeitura e Governo do Estado.
Sua moradia, mais luxuosa, foi construída a partir de seus conhecimentos, apesar de ser promotor, em construção civil. Era uma mansão térrea, majoritariamente feita de tijolos. Tinha três quartos (um para ele e outros dois para seus irmãos, caso viessem visitá-lo), sala de TV, banheiro, cozinha gourmet, jardim com horta, e escritório.
Temério tratou de vários assuntos desde que chegou a Presidência da República, como cortar alguns ministérios, que geravam gastos desnecessários para a cidade, e decretar reformas provisórias. Temério "rodou a baiana" na Presidência da República. Alguns desgostavam dele, outros idolatravam-no.
Petrônio, o cobrador de impostos, continuava sua busca pelos três suínos. Começando pela Prefeitura, o lobo farejou os rastros de Dorival, e encontrou a casa de palha no centro da cidade de São Paulo.
“Dorival! Sei que você está aqui! Abra esta porta.”, disse Petrônio.
Do outro lado, Dorival disse:
“O que você quer Petrônio? A polícia já não lhe causou problemas o suficiente?”
“Eu quero cobrar seu imposto!”, berrou Petrônio.
“Vai ficar querendo.”
“Então eu vou arrombar a porta!”
Dorival, que não era estúpido, já nas primeiras bofetadas de Petrônio na casa, fugiu pela porta dos fundos. O suíno foi até a casa de seu irmão Alquimista, feita de madeira, no Governo do Estado. (Dois anos mais tarde, seria Dorival quem iria morar lá em definitivo.)
“Irmão Alqui!”, berrou Dorival em frente à casa de Alquimista. “Deixe-me entrar abestalhado!”
“Qual é a sua graça, suíno?”, respondeu Alquimista.
“Sou eu, seu irmão Dorival!”
“Ora essa, suíno, deixe de frescura e entre! A casa é sua!”
Dorival entrou e sentou-se na poltrona da sala de estar de Alquimista. O anfitrião estava lendo o Jornal. Não era muito bonita, mas era confortável (pelo menos, era melhor que a casa de palha).
“Esta casa é uma beleza...”, pensou Dorival.
“Gostei da casa, irmão Alquimista!”
“Obrigado, compadre Dorival! Guarde minhas palavras: um dia essa moradia será sua.”
“Guardei suas palavras muito bem guardadas.”, disse Dorival, sorrindo.
Naquele instante, a campainha soou. Alquimista levantou-se. Dorival alertou:
“Não abra a porta! Apenas pergunte a graça.”
Alquimista foi até a porta e questionou:
“Quem és e o que desejas?”
“Meu nome por excelência é Petrônio Mauro e eu estou aqui honrando a memória de minha família para cobrar impostos de suínos neoliberais mal-encarados. Eu sei que você responde por Alquimista e está acobertando seu irmão Dorival. Abra esta porta agora, ou eu terei que arrombá-la.”
“Não.”, disse Alquimista.
Dorival disse alguma coisa com os lábios.
“O quê?”, perguntou Alquimista.
“Vamos fugir pelos fundos até a casa do irmão Temério.”, sussurrou Dorival.
“Você ficou maluco? Está pinel? A casa dele fica a quilômetros daqui!”, sussurrou Alquimista.
“Esqueceu que não somos porcos ordinários? Nós fomos abençoados com velocidade supersônica, pastel.”
Em algumas horas, os dois irmãos chegaram a Presidência da República, inaugurada em 15 de novembro de 1889, transferida de local em 21 de abril de 1960, e que se localizava no coração do País.
A casa de Temério era uma mansão de dez metros de altura, de tijolos e com decorações de diamantes. Dorival e Alquimista se perguntavam de onde tinha vido toda aquela grana, mas preferiram ficar calados. Uma chaminé brotava no telhado da mansão de tijolos.
Dorival apertou o botão do interfone.
“Olá, caro fraterno Temério. Somos seus irmãos Dorival e Alquimista. Viemos fugidos do terrível lobo cobrador de impostos, Petrônio, que destruiu nossas casas. Pensamos em buscar refúgio em sua humilde residência.”
A resposta não custou a chegar.
“Dorival e Alquimista. Vocês são mais que bem vindos à Presidência da República e em minha residência. Entrem, por favor.”
Os suínos penetraram na mansão de tijolos. Tudo era luxuoso.
“Vocês chegaram na hora certa! Eu estou preparando fondue. Em instantes vou acender a lareira. Uh-uh! Vai ser uma noite de Reis!”, disse Temério.
Pouco depois de acender a lareira e terminar os preparativos do fondue, Temério sentou-se à mesa com seus companheiros Dorival e Alquimista. De repente, ouve-se o som do interfone.
“Com a sua licença, nobres cavalheiros.”, disse Temério.
“É o lobo Petrônio, irmão! Tome cuidado e não abra a porta!”, alertou Dorival.
“Residência Temério. Quem gostaria?”
“Meu nome é Petrônio Mauro, mas você já me conhece. Eu sou cobrador de impostos, mas isso você também já sabe. Você também já tem conhecimento de que está acobertando dois criminosos foragidos da Lei. E aí, vocês vão me dar o que devem ou não?”
“Não.”, berrou Dorival, arrancando o interfone das mãos de Temério. “Você já teve o poder que queria, e isso acabou com o País! Você nunca mais vai encostar suas mãos sujas em nenhum dinheiro de nenhum cidadão.”
“Nossa, Jureg...”, disse Petrônio, magoado. “Então eu serei obrigado a derrubar essa adorável mansão de tijolos que deve ter custado uma verdadeira fortuna...”
“Boa sorte.”, resmungou Dorival.
Petrônio era pugilista certificado e não abriu mão de suas habilidades. Esmurrou, esmurrou e esmurrou a porta, sem nenhum efeito.
“Vocês vão me pagar pela derrota de meus familiares!”, disse Petrônio.
O lobo, que também era um exímio escalador, subiu pelas grossas paredes da mansão de Temério, para encontrar uma abertura.
Enquanto isso, Dorival, Temério e Alquimista estavam bebendo vinho moscatel e se deliciando de fondue de queijo Emental, e escutando as melhores canções de Erasmo Carlos do Verão de 86.
“Liguem para a Polícia Federal e avisem que pegamos o sujeito.”, disse Dorival para seus irmãos.
Petrônio entrou pela chaminé, pensando que era o estrategista do século, e acabou virando churrasquinho de cobrador de impostos. Que fim, hein?
O Juiz Federal veio acompanhado dos policiais para ver de corpo presente a queda de um dos maiores criminosos do País.

Resultado: Temério, Alquimista e Dorival voltaram para suas atividades em suas respectivas cidades. Petrônio foi preso. Dois anos mais tarde, em 2018, outros suínos substituiriam nossos heróis, exceto Dorival, que mudaria de posição. Temério cederia a Presidência da República para Afonsomaro, Alquimista cederia o Governo do Estado para Dorival, e Dorival cederia a Prefeitura para Anchovas. Tudo parecia fazer parte de um jogo político até então.

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