quinta-feira, 16 de maio de 2019

O incompreendido (Il n’y a pas de coups)


Fotomontagem com cena do filme Os Incompreendidos (França, 1959), de François Truffaut.



Pouco antes de sair da estação ‘mediterrânea’, eu vi, dentro de uma lata de lixo, um adesivo com dizeres políticos. Eu achei interessante a construção e, sem pensar duas vezes, peguei o adesivo e percebi que a cola estava fresca. Eu colei-o na parede para tirar uma foto, e depois eu iria ‘devolver’ ao lixo.
Uma funcionária do ‘mediterrâneo’ viu minha arte e repreendeu-me, dizendo que chamaria a segurança, e que aquilo que eu estava fazendo era ‘vandalismo’. Eu disse que seria rápido, que era uma ‘experiência’.
Eu peguei o celular do bolso, fotografei o adesivo e ‘devolvi-o’ ao lixo. O que eu fiz não foi certo, eu sei disso. Mas também não era vandalismo, como alegara a funcionária. Ser acusado de coisas que eu não fiz é minha especialidade.
Certa vez, quando eu estudava na segunda série do ensino fundamental, eu fui ‘acusado’ de colar a porta do armário de uma das salas de aula do segundo ano, também do ensino fundamental. Havia alguns suspeitos, e eu era um deles, porque um guarda nos vigiava no dia anterior.
De algum modo, as autoridades conseguiram identificar o(s) culpado(s), e eu não fazia parte desse grupo, graças à minha consciência limpa.
Outro caso ocorreu quando eu tinha treze anos. O ano letivo estava no final. A turma da sala tinha combinado de reunir-se na casa de um de nós, e Soda Cáustica, minha ‘guia espiritual’, ofereceu-se para sediar o evento de confraternização.
Depois de comer a pizza, nós fomos para uma espécie de jardim que tinha nos fundos do prédio de Soda Cáustica, para conversar. A Gangue do Alemão estava desmembrada naquela ocasião, porque o Imperador não estudava mais na escola. Estavam apenas o Rousseff, o Teryaki e eu não tenho certeza se o Geisel estava lá...
No jardim, havia um banheiro com um vaso sanitário e uma pia. Algumas meninas, em bando, resolveram ir ao banheiro. A porta, naturalmente, ficou entreaberta e eu forcei-a para fechar. O que eu não percebera foi que a Duquesa D’Avignon ficara com os dedinhos no vão da dobradiça. E eu esmaguei-os. Com isso, a Duquesa D’Avignon gritou e começou a chorar. Eu saí do jardinzinho e fui para um canteiro de plantas, do outro lado.
O Tio Sam, um dos meus amigos mais próximos naquela época, veio até mim para dizer que eu era um ‘monstro’ e que aquilo não devia ter sido feito. Quando o Tio Sam saiu, Soda Cáustica, anfitriã e ‘guia espiritual’, apareceu e consolou-me com um abraço, dizendo:
“Está tudo bem... Eu sei que você não é culpado!”
Eu estava usando uma camisa polo verde com listras brancas finas. Aquela seria minha roupa favorita desde então. Mas ela ficou velha e justa, indo para doação.
A conclusão a que eu quero chegar com esses casos é que, na maioria das vezes, eu não sou o culpado das ações que as pessoas ou as autoridades pensam que eu sou o autor. Eu não passo de um incompreendido, vagando pelo espaço e pelo tempo buscando reconhecimento dos meus valores.

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