Este texto foi concebido
primariamente como uma Comissão Parlamentar de Inquérito.
Uma
amizade improvável se formara, há muitos anos, no município de São José dos Pinhais,
no Paraná.
Tomás
e Geraldo se conheceram na delegacia. Tomás tinha 20 anos e Geraldo, seis anos
mais moço, tinha 14.
O
crime de Tomás foi ter colado um adesivo com dizeres políticos (retirado da
lixeira) em local público, e Geraldo havia quebrado os dedinhos da filha do
diretor do colégio na dobradiça da porta do banheiro, enquanto brincava de
esconde-esconde. Os dois estavam passando a noite na delegacia; Tomás fora
detido por vandalismo e Geraldo por violência. Nenhum dos dois era reincidente
e nenhum deles voltou para prisão.
Mas
foi lá que eles se conheceram e se tornaram melhores amigos.
Atualmente,
Geraldo tem 63 anos, é graduado em teologia, tem especialização em filosofia e
leciona catequese na igreja de São José dos Pinhais. Tomás, de 69 anos, fez
faculdade de medicina veterinária, especializou-se em biologia marinha e cuida
de Mandíbula, o primeiro tubarão branco nascido e criado no Brasil, no aquário
do município.
Todas
as sextas-feiras, Geraldo e Tomás encontram-se no restaurante próximo a delegacia
onde eles se conheceram.
Certa
noite, Geraldo enviou um correio eletrônico (e-mail) para Tomás.
Tomás, eu estou muito
desgostoso com a situação política atual do Brasil. Nós somos amigos de longa
data e, que Deus perdoe meu sacrilégio, nosso tempo na Terra está passando.
Eu estive pensando em fazer
uma travessura, daquelas que fazíamos nos tempos da juventude.
O que acha da ideia,
companheiro?
Abraços do velho.
Tomás
leu o correio eletrônico e respondeu:
Geraldo, eu apoio sua
ideia. Conte-me mais, por favor.
Abraços do outro velho.
Geraldo
disse:
Tomás, a molecagem é a
seguinte: primeiro, nós compraremos roupas inteiramente pretas e gorros e
luvas, também pretos. Também compraremos tinta em spray.
Eu consegui uma cópia da
placa do carro do governador do Paraná, Ratinho Júnior.
O plano: durante a calada
da noite, enquanto todos os mortais estiverem dormindo, nós vamos dirigir até
Curitiba com a placa do Júnior acoplada, para fazer uma visita à penitenciária
onde o ex-presidente Donnerstag está detido.
Vamos estacionar o carro
bem em frente a uma câmera de segurança e vamos escrever, com o spray, no muro:
RADEMAKER CARA DE MELÃO e VAI PLANTAR CANA, DONNERSTAG. Com isso, vamos testar
a eficácia da Justiça brasileira. Será que a Lei é para todos?
Abraços do velho.
Tomás
escreveu de volta:
Eu gostei da ideia, irmão.
Vamos ver no que vai dar essa história!
Abraços do outro velho.
Paulo
Donnerstag era um ex-presidente que se encontrava em detenção na penitenciária
de Curitiba. Ele havia sido acusado de ter comprado um sobrado em Maresias e um
sítio em Araxá, com dinheiro público, em nome de sua esposa, Maristela
Donnerstag.
Hermann
Rademaker era o presidente em vigência do Brasil. Ele era militar, pertencente
à patente de General reformado do exército. Seu vice, Gordon Zweite, era
Capitão da Infantaria.
Era
meia noite quando Geraldo passou na casa de Tomás para buscá-lo. Os dois amigos
vestiam roupas pretas e Tomás segurava uma sacola de lona.
“O
que tem na sacola?”, perguntou Geraldo.
“Tudo
conforme o planejado. As latas de tinta em spray e duas lanternas.”
E
assim o automóvel de Geraldo, com a placa do carro do governador do Paraná,
partiu rumo à Curitiba.
Geraldo
estacionou o carro na parte de trás da penitenciária, deixando a placa visível
para as câmeras de vigilância. Os dois senhores desembarcaram com as lanternas
e as latas de tinta em spray.
“Eu
escrevo a frase do Rademaker e você escreve a frase do Donnerstag, para
ganharmos tempo. Não se esqueça das letras garrafais!”, sugeriu Geraldo.
Os
guardas da penitenciária estavam dispersos. Alguns dormiam, outros jogavam UNO,
e outros fumavam substâncias ilícitas. Nenhum deles percebeu a presença dos
“provocadores sexagenários de balbúrdia”, que ameaçavam a ordem naquela noite
tão serena.
“Eu
me sinto como jovem de novo!”, sussurrou Tomás, enquanto ele pichava.
Tomás
e Geraldo picharam o muro e passaram a noite inteira rindo do que eles fizeram.
Aquela noite fora inesquecível.
No
dia seguinte, os guardas do turno diurno da penitenciária de Curitiba levaram
um tremendo susto ao chegar ao posto de trabalho. Estava escrito, em letras
garrafais, “Rademaker cara de melão” e “Vai plantar cana, Donnerstag” no muro
da edificação.
Quem
poderia ter feito aquilo? Foi o que os guardas se perguntaram.
Massimo,
um dos responsáveis pela vigilância, considerou olhar as gravações das câmeras
de segurança.
Na
noite anterior, um carro estacionara. Massimo aproximou a imagem para
visualizar a placa do carro. Era idêntica a de Ratinho Júnior, o governador do Estado!
Aquilo não fazia sentido...
Não
demorou muito para que a mídia chegasse para fazer a cobertura.
Muro da penitenciária de Donnerstag
foi pichado!
‘Rademaker cara de melão’ e
‘Vai plantar cana, Donnerstag’ são as frases encontradas na manhã de hoje!
O que Donnerstag acha
disso?
Donnerstag: ‘Nunca fui tão
desrespeitado! Este país nunca foi tão desrespeitado! Moro e Dalagnol são meus
inimigos!’
O que Rademaker acha disso?
Rademeker: ‘Concordo. ’
Geraldo
e Tomás racharam o bico ao ver o noticiário. Não demoraria muito até o caso
chegar até Brasília. Eles só não contavam com uma coisa: o álibi do Júnior.
“Onde
você estava na noite de ontem, Ratinho Júnior?”, perguntou o delegado.
“Em
casa! Dormindo!”
“Você
pode provar?”
“Minha
esposa, meus filhos e a cozinheira estavam em casa. Pode perguntá-los.”
“Eu
acredito em você. Mas eu quero que você saiba que alguém queria queimar seu
filme. Não só o seu filme como o da
política brasileira, também!”
O
caso, por ter envolvido o ex-presidente, e
o presidente da República em exercício, foi parar no Ministério Público Federal,
em Brasília.
Os
procuradores, desembargadores e burocratas estudaram cada detalhe da
investigação e chegaram a um consenso: o carro. O governador do Paraná não
dirigiria um carro daqueles. O Ministério Público enviou um mandado judicial
para a concessionária de carros perguntando quem comprara um de seus modelos do
ano 2006.
Eles
conseguiram então o nome de Valério, filho de Geraldo, que tinha sido o fiador
do pai. Valério morava no município de Limeira, em São Paulo.
“Polícia Federal! Abra a porta ou será preso!
É a Lei.”, gritou a Polícia ao chegar ao cantinho de Valério.
Valério
tinha saído para comprar jornal. Sua esposa abrira a porta.
“Meu
marido não está. Ele volta em alguns minutos.”
Alguns
minutos depois, Valério chegou. A Polícia Federal encostou o sujeito na parede.
“Você está muito encrencado, bagunceiro!”,
rugiu a Polícia.
“Se
você me disser o que está errado, talvez possamos chegar a uma conclusão
pacificamente.”
“Você
não lê o jornal? Não vê o noticiário? A penitenciária onde Donnerstag está
detido foi pichada!”
“Eu
sei disso. Mas não fui eu.”
“Explique-se
melhor! Seu carro estava lá!”, disse o oficial, mostrando a foto do carro
comprado em 2006.
“Eu
não dirijo esse carro! Eu fui o fiador do meu pai. É ele quem dirige.”
O
oficial pareceu envergonhado.
“Onde
mora seu pai? Eu acho que ele é o culpado por essa confusão...”, gaguejou o
oficial.
“Ele
é de São José dos Pinhais. Fica no Paraná. Acompanhe-me e eu lhe darei o
endereço dele.”
Tomás
e Geraldo estavam sentados no sofá rindo da traquinagem que eles mesmos
arquitetaram. Era como se eles fossem moleques, novamente. Alguém bateu à
porta:
“Polícia Federal! Abra a porta ou eu
arrombarei!”
Tomás
para Geraldo, murmurando: “Danou-se! Ferrou muito! É o fim! Fomos
descobertos!”.
“Acalme-se,
Tomás. Eu planejei tudo isso. No meu quarto, tem uma escotilha embaixo do
tapete. Esconda-se lá.”
“Você
não vai junto?”
“Não.
O plano foi meu, eu arco com as consequências.”
“Então
eu também não vou fugir à luta, Geraldo! Nós somos amigos até o fim, lembra?”,
sorriu Tomás.
“Até
o fim...”
“Abra a porta, Geraldo!”
Geraldo
caminhou lentamente até a porta e abriu-a.
“Geraldo
Angra e Tomás dos Reis! Vocês estão presos em nome da Lei por vandalismo e
falsa identidade.”
Geraldo
e Tomás levantaram as mãos, culpados. Uma temporada na detenção faria bem aos
dois.
Na
cela da delegacia, Geraldo disse para Tomás:
“Eu
tenho um plano...”
“Vai
começar de novo!”
“Dessa
vez será diferente! Você vai ver só.”
“Manda!”,
animou-se Tomás.
“É
o seguinte, assim que nós sairmos daqui, nós voltaremos para Curitiba. Eu me
disfarçarei de cozinheiro para colocar um alucinógeno na comida do Donnerstag.
É um plano que exige muita habilidade, por isso, eu preciso que você preste
bastante atenção.”
Tomás
e Geraldo passaram o resto da noite conversando sobre assuntos frívolos e
pueris, adormecendo no chão frio da delegacia de São José dos Pinhais, onde
eles se conheceram pela primeira vez.
Quanto
ao muro pichado, foram tomadas as devidas providências. Um mutirão de pessoas,
que apoiavam tanto o General Rademaker, quanto o presidiário Donnerstag,
juntou-se na “praça do presídio”, em Curitiba, para limpar a bagunça.
E
todos viveram felizes para sempre.
Fim.
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