Recentemente,
Flatcher Fukanaga, o delegado de Juca Leão, auxiliado de Natalie Amarante,
buscou arquivos com relação ao paradeiro de seu melhor amigo Thiago Afonso.
Segundo Cirilo, outro
delegado da cidade, já aposentado, Thiago Afonso caíra do céu em seu quintal
enquanto ainda era um bebê. Ele e sua esposa, Maria Joaquina, resgataram a
criança e, com a ajuda de jovens da Equipe da Salvação (hoje considerados
subversivos ao governo), conseguiram decifrar as inscrições na nave, percebendo
que ela viera de um planeta chamado Azeitona.
Nessa mesma época,
Flatcher Fukanaga nasceu. Isso explica a semelhança de idade entre ele e
Thiago.
O delegado queria
respostas. Ele queria saber o que era esse tal Planeta Azeitona que o Cirilo se
referiu anos atrás. A Equipe da Salvação envolveu-se em um escândalo de
conspiração com o governo, gerando crises internas e, por esse motivo, houve
uma cisão. Cada um dos membros, agente M, agente E, agente I e agente S, foram
para uma das quatro capitais do sudeste. Agente E estava em São Paulo, a cidade
mais próxima de Juca Leão. Foi para lá que Flatcher conduziu a viatura.
Chegando ao endereço
de agente E, o delegado bateu à porta. Seu apartamento ficava em um prédio no
bairro do Ipiranga, na região central da cidade, e parecia ter sido construído
nos anos 1950. Flatcher viu a porta se entreabrir, com uma corrente
bloqueando-a.
“Pois não...”,
perguntou E.
“Sou o delegado
Flatcher Fukanaga. Nós falamos ao telefone algumas horas atrás”.
Agente E pareceu
hesitar. Em seguida, destrancou a porta e abriu-a.
“Sim, sim! Senhor
Fukanaga! Pode entrar.”
Agente E tinha dez
anos a mais que o delegado. Ele tinha uma barriga avantajada e usava uma camisa
estampada. Não usava nada abaixo da cintura, exceto um par de calças e um par
de pantufas. Ele segurava uma caneca e tinha um olhar cansado. A barba estava
por fazer e seus poucos cabelos estavam desgrenhados.
Flatcher Fukanaga
entrou, cruzou um corredor, chegou à sala e E indicou uma poltrona próxima ao assento
onde o agente estava sentado antes da visita esperada do oficial.
“O senhor aceita algo
para beber?”, perguntou agente E.
“Eu aceito um copo d’água”,
disse o delegado.
O agente foi buscar a
bebida de Flatcher. A sala levava a três outras câmaras, que o delegado sugeriu
ser o quarto de dormir, a cozinha e o banheiro. A sala não estava
desorganizada; o escritório de agente E era lá mesmo. Uma mesa ao fundo trazia
garrafas de bebidas gasosas (típicas da tradição italiana) e de salsaparrilha,
além de retratos que pareciam ser da família. Flatcher passou o olho por uma
fotografia. Pareciam ser os integrantes da Equipe da Salvação, quando ainda
eram adolescentes. Sugeriu que o de óculos era o agente M; o gorducho seria o
agente E; a agente I tinha os cabelos soltos e era a mais baixinha do grupo; e
a agente S tinha os olhos amendoados. Era exatamente como lera a respeito, nos
documentos da delegacia.
“Vejo que você se
interessou por essa fotografia.”, disse o agente E, trazendo a água e
entregando o copo ao delegado.
“Quantos anos vocês
tinham nessa foto?”
“Treze, por quê?”
“Por nada.”, Flatcher
balançou a cabeça e pegou o copo. “Agente E, sente-se.”
Agente E sentou-se.
Fukanaga contou a ele o que sabia do caso Azeitona — como ficou conhecido o
paradeiro do alienígena Thiago Afonso.
“E o que aconteceu
quando o garoto foi para a Usina?”, perguntou o agente E.
“Foi a maior confusão...
Deu notícia até na Rede Cubo”, suspirou Flatcher, lembrando-se das reportagens
do Valdir Tejano. “Mas o que eu quero saber é o que aconteceu antes, quando meu
amigo chegou a Terra. A nave... O que estava escrito nela? Vocês encontraram
alguma coisa?”
Agente E tomou ar,
como se fosse fazer um discurso, tentando lembrar-se de algo importante. Seus
olhos brilhavam.
“Delegado, você
procurou a pessoa certa! Desde pequeno, eu era fascinado por semiótica.”,
Agente E caminhou até sua mesa de estudos, de onde puxou uma gaveta e pegou uma
pasta. “Aqui estão arquivados anos e anos de pesquisa, que eu andei trabalhando
em Juca Leão, até a infeliz intervenção do governo sobre o Grupo.”
O agente abriu a
pasta e pegou uma das folhas.
“Este documento eu
encontrei nas coisas do Thiago Afonso, dentro de sua nave. Depois de muitas
noites acordado, consegui traduzir o que diziam aquelas letras... Era uma
carta, afinal de contas! O garoto não caiu na Terra por acaso. Foi tudo um
plano. De acordo com o texto, ele é a salvação da humanidade! Veja com seus
olhos, delegado.”
Flatcher pegou o
documento com cuidado, como se estivesse tocando em uma escritura antiga, e o
examinou. A carta, traduzida pelo agente, dizia:
Aos terráqueos que encontrarem nosso último herdeiro.
Nosso planeta está sendo ameaçado de destruição. O ditador Lozivaldo tomou o poder e fez aliança com Mardoqueu, outro líder influente, mas no planeta vizinho. Mardoqueu pretende pilhar nosso lar e acabar com todas nossas reservas. Por esse motivo, estamos enviando, por meio de tecnologia de ponta, nosso primogênito, Thiago Afonso. Ele encaminhará a humanidade a outro patamar, se receber treinamento adequado. Para tanto, o menino será enviado junto a um livro de educação javalandesa. Esperamos ter esclarecido algumas coisas... O resto, apenas o tempo poderá dizer.
Nosso planeta está sendo ameaçado de destruição. O ditador Lozivaldo tomou o poder e fez aliança com Mardoqueu, outro líder influente, mas no planeta vizinho. Mardoqueu pretende pilhar nosso lar e acabar com todas nossas reservas. Por esse motivo, estamos enviando, por meio de tecnologia de ponta, nosso primogênito, Thiago Afonso. Ele encaminhará a humanidade a outro patamar, se receber treinamento adequado. Para tanto, o menino será enviado junto a um livro de educação javalandesa. Esperamos ter esclarecido algumas coisas... O resto, apenas o tempo poderá dizer.
Atenciosamente, Setúbal, chefe do clã Afonso.
Flatcher mal podia
acreditar no que estava lendo. As disputas políticas, os anseios da
população... Parecia tão igual às questões na Terra!
Percebendo que o
delegado terminara a leitura, agente E entregou-lhe outra folha de papel. Ela
estava rabiscada e amassada, mas ainda podia entender alguma coisa.
“Eu fiz um glossário...
Traduzi algumas palavras da Javalândia e fiz esse compilado.”, disse.
Flatcher Fukanaga
observou atentamente o papel, como uma criança que descobre algo novo. Era uma
lista rasa, sim, mas o conteúdo era profundo.
Dicionário da Javalândia (compilado por Agente Eduardo
Solimão da Equipe da Salvação com base no Livro de Educação Javalandesa):
Avestruz: Xitco
Aventura: Picxo
Beijo: Ticotix
Banco: Quitox
Carro: Chix
Carona: Chixe
Direita: Xipe
Dicionário: Livex
Esquerda: Xixpy
Elefante: Micotopix
Fraco: Frixe
Forte: Trixe
Gelo: Hicobe
Grilo: Rikob
Hipopótamo: Melocox
Hiena: Nehsco
Índio: Jumbalaia
Iniciando: Chicop
Jeito: Jix
Jipe: Chix
Kart: Karty
Ketchup: Ketchupy
Lesma: Demoretion
Leito: Picopy
Manto: Lingu
Mário: Mario’
Ninhada: Conjinho
Natália: Natalia’
Ovo: Linmilestatic
Onda: Gwaró
Paletó: Zarócaroda
Pato: Dêngua
Qerida: Estlobö
Queijo: Stalenoj
Rato: Stango
Roda: Balneta
Sofia: Sofia’
Sílvio: Silvio’
Tamanduá: Fonga
Tiro: Munirma
Uva: Dólinhas
Ulton: *Ulton*s
Vento: Ara
Vulção: Vunição
Waffle: Waffley
Walkover: Walkovery
Xícara: Chopo
Xácara: Sitasa
Yearling: Etrusco
Yin-yang: Fenício
Zumbaneira: Múdica
Zoogeográfico: Páses
O delegado notou que
havia alguns erros ortográficos na lista e resolveu comentar.
“Isso não é nada,
senhor delegado!”, disse o agente E. “É que eu comecei a estudar semiótica da
Javalândia desde meus onze anos, então é normal que alguns erros aconteçam...”.
Flatcher Fukanaga
sorriu.
“Tem mais alguma coisa
que você gostaria de me mostrar?”
O agente E pegou o
livro de Educação Javalandesa e abriu-o em certa página, pegando um papel já
gasto pelo tempo e amarelado.
“Este aqui é o
planisfério que veio anexo ao Livro. Por favor, contemple!”
O delegado pode
perceber que havia três grandes continentes. Pipino, Mashmellow e Alcachofra,
este último dividido em 16 frações (que deveriam ser os países) e cortado ao
meio por um rio chamado Suco de Uva. Um dos países localizados a leste do rio
era a famosa Javalândia e, mais abaixo, podia-se perceber a capital do
continente: Lumpalândia. Três oceanos encharcavam o planeta: Lupa-Lupa,
Parítico e Gewcold. Os polos nordeste e sudoeste alcançavam as extremidades e
duas grandes ilhas acompanhavam os continentes: Ilhas do Norte e Ilha de Mash.
O delegado
levantou-se, pensativo.
“Agente E, creio que eu
já sei o suficiente sobre a procedência de meu amigo extraterrestre Thiago
Afonso! Obrigado pela ajuda.”
“Não foi nada.”,
disse o agente. “É sempre bom ajudar um amigo.”
Flatcher Fukanaga e
Agente E dirigiram-se à porta de entrada para aguardar o elevador. Ambos
cumprimentaram-se e abraçaram-se. Flatcher Fukanaga deu o número de celular para
o agente, assim eles poderiam manter contato.
Desse modo, o
delegado de Juca Leão voltou à sua cidade com informações fresquinhas sobre o
paradeiro de seu melhor amigo.
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