sábado, 9 de fevereiro de 2019

Sobre Javalândia (a terra de Thiago Afonso)


Recentemente, Flatcher Fukanaga, o delegado de Juca Leão, auxiliado de Natalie Amarante, buscou arquivos com relação ao paradeiro de seu melhor amigo Thiago Afonso.
Segundo Cirilo, outro delegado da cidade, já aposentado, Thiago Afonso caíra do céu em seu quintal enquanto ainda era um bebê. Ele e sua esposa, Maria Joaquina, resgataram a criança e, com a ajuda de jovens da Equipe da Salvação (hoje considerados subversivos ao governo), conseguiram decifrar as inscrições na nave, percebendo que ela viera de um planeta chamado Azeitona.
Nessa mesma época, Flatcher Fukanaga nasceu. Isso explica a semelhança de idade entre ele e Thiago.
O delegado queria respostas. Ele queria saber o que era esse tal Planeta Azeitona que o Cirilo se referiu anos atrás. A Equipe da Salvação envolveu-se em um escândalo de conspiração com o governo, gerando crises internas e, por esse motivo, houve uma cisão. Cada um dos membros, agente M, agente E, agente I e agente S, foram para uma das quatro capitais do sudeste. Agente E estava em São Paulo, a cidade mais próxima de Juca Leão. Foi para lá que Flatcher conduziu a viatura.
Chegando ao endereço de agente E, o delegado bateu à porta. Seu apartamento ficava em um prédio no bairro do Ipiranga, na região central da cidade, e parecia ter sido construído nos anos 1950. Flatcher viu a porta se entreabrir, com uma corrente bloqueando-a.
“Pois não...”, perguntou E.
“Sou o delegado Flatcher Fukanaga. Nós falamos ao telefone algumas horas atrás”.
Agente E pareceu hesitar. Em seguida, destrancou a porta e abriu-a.
“Sim, sim! Senhor Fukanaga! Pode entrar.”
Agente E tinha dez anos a mais que o delegado. Ele tinha uma barriga avantajada e usava uma camisa estampada. Não usava nada abaixo da cintura, exceto um par de calças e um par de pantufas. Ele segurava uma caneca e tinha um olhar cansado. A barba estava por fazer e seus poucos cabelos estavam desgrenhados.
Flatcher Fukanaga entrou, cruzou um corredor, chegou à sala e E indicou uma poltrona próxima ao assento onde o agente estava sentado antes da visita esperada do oficial.
“O senhor aceita algo para beber?”, perguntou agente E.
“Eu aceito um copo d’água”, disse o delegado.
O agente foi buscar a bebida de Flatcher. A sala levava a três outras câmaras, que o delegado sugeriu ser o quarto de dormir, a cozinha e o banheiro. A sala não estava desorganizada; o escritório de agente E era lá mesmo. Uma mesa ao fundo trazia garrafas de bebidas gasosas (típicas da tradição italiana) e de salsaparrilha, além de retratos que pareciam ser da família. Flatcher passou o olho por uma fotografia. Pareciam ser os integrantes da Equipe da Salvação, quando ainda eram adolescentes. Sugeriu que o de óculos era o agente M; o gorducho seria o agente E; a agente I tinha os cabelos soltos e era a mais baixinha do grupo; e a agente S tinha os olhos amendoados. Era exatamente como lera a respeito, nos documentos da delegacia.
“Vejo que você se interessou por essa fotografia.”, disse o agente E, trazendo a água e entregando o copo ao delegado.
“Quantos anos vocês tinham nessa foto?”
“Treze, por quê?”
“Por nada.”, Flatcher balançou a cabeça e pegou o copo. “Agente E, sente-se.”
Agente E sentou-se. Fukanaga contou a ele o que sabia do caso Azeitona — como ficou conhecido o paradeiro do alienígena Thiago Afonso.
“E o que aconteceu quando o garoto foi para a Usina?”, perguntou o agente E.
“Foi a maior confusão... Deu notícia até na Rede Cubo”, suspirou Flatcher, lembrando-se das reportagens do Valdir Tejano. “Mas o que eu quero saber é o que aconteceu antes, quando meu amigo chegou a Terra. A nave... O que estava escrito nela? Vocês encontraram alguma coisa?”
Agente E tomou ar, como se fosse fazer um discurso, tentando lembrar-se de algo importante. Seus olhos brilhavam.
“Delegado, você procurou a pessoa certa! Desde pequeno, eu era fascinado por semiótica.”, Agente E caminhou até sua mesa de estudos, de onde puxou uma gaveta e pegou uma pasta. “Aqui estão arquivados anos e anos de pesquisa, que eu andei trabalhando em Juca Leão, até a infeliz intervenção do governo sobre o Grupo.”
O agente abriu a pasta e pegou uma das folhas.
“Este documento eu encontrei nas coisas do Thiago Afonso, dentro de sua nave. Depois de muitas noites acordado, consegui traduzir o que diziam aquelas letras... Era uma carta, afinal de contas! O garoto não caiu na Terra por acaso. Foi tudo um plano. De acordo com o texto, ele é a salvação da humanidade! Veja com seus olhos, delegado.”
Flatcher pegou o documento com cuidado, como se estivesse tocando em uma escritura antiga, e o examinou. A carta, traduzida pelo agente, dizia:

Aos terráqueos que encontrarem nosso último herdeiro.
Nosso planeta está sendo ameaçado de destruição. O ditador Lozivaldo tomou o poder e fez aliança com Mardoqueu, outro líder influente, mas no planeta vizinho. Mardoqueu pretende pilhar nosso lar e acabar com todas nossas reservas. Por esse motivo, estamos enviando, por meio de tecnologia de ponta, nosso primogênito, Thiago Afonso. Ele encaminhará a humanidade a outro patamar, se receber treinamento adequado. Para tanto, o menino será enviado junto a um livro de educação javalandesa. Esperamos ter esclarecido algumas coisas... O resto, apenas o tempo poderá dizer.
Atenciosamente, Setúbal, chefe do clã Afonso.

Flatcher mal podia acreditar no que estava lendo. As disputas políticas, os anseios da população... Parecia tão igual às questões na Terra!
Percebendo que o delegado terminara a leitura, agente E entregou-lhe outra folha de papel. Ela estava rabiscada e amassada, mas ainda podia entender alguma coisa.
“Eu fiz um glossário... Traduzi algumas palavras da Javalândia e fiz esse compilado.”, disse.
Flatcher Fukanaga observou atentamente o papel, como uma criança que descobre algo novo. Era uma lista rasa, sim, mas o conteúdo era profundo.
Dicionário da Javalândia (compilado por Agente Eduardo Solimão da Equipe da Salvação com base no Livro de Educação Javalandesa):


Avestruz: Xitco
Aventura: Picxo
Beijo: Ticotix
Banco: Quitox
Carro: Chix
Carona: Chixe
Direita: Xipe
Dicionário: Livex
Esquerda: Xixpy
Elefante: Micotopix
Fraco: Frixe
Forte: Trixe
Gelo: Hicobe
Grilo: Rikob
Hipopótamo: Melocox
Hiena: Nehsco
Índio: Jumbalaia
Iniciando: Chicop
Jeito: Jix
Jipe: Chix
Kart: Karty
Ketchup: Ketchupy
Lesma: Demoretion
Leito: Picopy
Manto: Lingu
Mário: Mario’
Ninhada: Conjinho
Natália: Natalia’
Ovo: Linmilestatic
Onda: Gwaró
Paletó: Zarócaroda
Pato: Dêngua
Qerida: Estlobö
Queijo: Stalenoj
Rato: Stango
Roda: Balneta
Sofia: Sofia’
Sílvio: Silvio’
Tamanduá: Fonga
Tiro: Munirma
Uva: Dólinhas
Ulton: *Ulton*s
Vento: Ara
Vulção: Vunição
Waffle: Waffley
Walkover: Walkovery
Xícara: Chopo
Xácara: Sitasa
Yearling: Etrusco
Yin-yang: Fenício
Zumbaneira: Múdica
Zoogeográfico: Páses


O delegado notou que havia alguns erros ortográficos na lista e resolveu comentar.
“Isso não é nada, senhor delegado!”, disse o agente E. “É que eu comecei a estudar semiótica da Javalândia desde meus onze anos, então é normal que alguns erros aconteçam...”.
Flatcher Fukanaga sorriu.
“Tem mais alguma coisa que você gostaria de me mostrar?”
O agente E pegou o livro de Educação Javalandesa e abriu-o em certa página, pegando um papel já gasto pelo tempo e amarelado.
“Este aqui é o planisfério que veio anexo ao Livro. Por favor, contemple!”
O delegado pode perceber que havia três grandes continentes. Pipino, Mashmellow e Alcachofra, este último dividido em 16 frações (que deveriam ser os países) e cortado ao meio por um rio chamado Suco de Uva. Um dos países localizados a leste do rio era a famosa Javalândia e, mais abaixo, podia-se perceber a capital do continente: Lumpalândia. Três oceanos encharcavam o planeta: Lupa-Lupa, Parítico e Gewcold. Os polos nordeste e sudoeste alcançavam as extremidades e duas grandes ilhas acompanhavam os continentes: Ilhas do Norte e Ilha de Mash.
O delegado levantou-se, pensativo.
“Agente E, creio que eu já sei o suficiente sobre a procedência de meu amigo extraterrestre Thiago Afonso! Obrigado pela ajuda.”
“Não foi nada.”, disse o agente. “É sempre bom ajudar um amigo.”
Flatcher Fukanaga e Agente E dirigiram-se à porta de entrada para aguardar o elevador. Ambos cumprimentaram-se e abraçaram-se. Flatcher Fukanaga deu o número de celular para o agente, assim eles poderiam manter contato.
Desse modo, o delegado de Juca Leão voltou à sua cidade com informações fresquinhas sobre o paradeiro de seu melhor amigo.

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