O que eu estou
prestes a relatar, eu não relatei a ninguém. Além disso, o evento apresentado
aqui é anterior ao ocorrido com o Barão de Rothschild (ver no arquivo).
Pois bem, vamos aos
fatos. Eu ainda estava na escola. Pouco tempo antes de embarcarmos para
Rotterdam, eu conheci algumas pessoas. Elas pareciam ser lideradas por um
cavalheiro chamado Vitor (ou Victor). O problema é que Vitor não pertencia mais
ao reino dos Vivos. Ele era uma alma penada. E seus amigos eram seus pajens,
guardiões do Hades.
Eu descobri isso já
no primeiro contato. Vitor e seus guardiões vagavam pelo laboratório de
ciências, procurando um meio de fazer a transição. Eu os reconheci pela aura azulada
que todo espírito tem. A alma estava em um processo conhecido como Umbral, em
que os espíritos ficam aprisionados no mundo mortal até cumprirem uma
determinada pena. Vitor e os pajens procuravam por um portal para o Hades,
enquanto liam diversos livros de alquimia.
“Posso ajudar em
alguma coisa?”, perguntei, sendo eu considerado um especialista no assunto.
“TME?”, sibilaram os
espectros.
Na hora, eu não
entendia nada. Mas depois eu saberia que eles não queriam dizer TME, e sim PNE,
que é uma espécie de verme que circula pelas nossas entranhas. Então, repeti a
pergunta:
“Vocês precisam de
ajuda?”
Vitor e seus pajens
avançaram em mim, mas eu, conhecido no assunto, peguei um punhado de sal grosso
e atirei neles, que escaparam.
Na manhã seguinte,
fui falar com outro especialista, Monsenhor Franco Paranhos, pároco de minha
escola. Ele dizia ser neto do barão do Rio Branco.
Ele me disse para
fazer tudo o que os espíritos me pedissem. Perguntei:
“De onde vieram esses
espíritos?”
“São espíritos vindos
do mundo dos Mortos. Eles foram expulsos de lá, e têm que cumprir uma pena
aqui.”
“Como foi que eles
morreram?”
Monsenhor Franco
pegou uma garrafa de licor de rosas e serviu um copo.
“Aceita?”, ele
ofereceu. “Eu trouxe de um convento do Rio de Janeiro.”
“Não, obrigado,
Monsenhor.”, recusei. “Eu sou menor de idade, não bebo.”
O pároco prosseguiu:
“Nos anos 1990, um
grupo de estudantes da sexta série invocou uma entidade poderosa do mundo
inferior, conhecido por alguns de Hades. Por incrível que pareça, essa entidade
pertencia às crenças hebraicas. Esses garotos, dos quais Vitor era o líder,
queriam brincar com o mundo sobrenatural. No entanto, eles não contavam com a
força de tal empreitada. Eles conseguiram invocar o demônio, mas o feitiço
apoderou-se do corpo de Vitor, consumindo-o até a morte.”
“Existe uma razão
para que o espírito de Vitor tenha chegado até você, Maxwell. Vitor quer que
você realize um último desejo que ele tinha em vida: liberar o feitiço
aprisionado da entidade hebraica, e assim voltar ao mundo dos mortos.”
“Quem eram os pajens
que o acompanhavam?”, perguntei.
Monsenhor Franco
bebeu o que sobrou do licor de seu copo.
“Você está enxuto,
Maxwell, já pode lidar com os espectros. Receba o que tem que receber, e terá a
salvação garantida.”
Era um dia frio. Encostei-me
à parede próxima ao laboratório de Ciências (último lugar que vi Vitor e os
pajens). O corredor estava vazio. De repente, eu ouvi um barulho vindo de
dentro do laboratório. Com cautela, abri a porta e caminhei pela sala até
chegar ao centro e ficar de pé, aguardando as ordens.
“Estou aqui Vitor!”,
disse, abrindo os braços.
Vitor apareceu bem na
minha frente, sibilando.
“Muito bem, Maxwell.
Aqui está a sua tarefa.”
Um frasco com líquido
marrom surgiu abaixo de meus pés.
“O que é isso?”
“É um amuleto. Meu
amigo de Israel me deu. Preciso que você abra na presença de alguém que você
conhece bem, a Redentora das Tribos.”
Pensei um pouco. Quem
poderia ser a Redentora das Tribos da qual Vitor se referiu? Então, por meio da
cadeia de associação de imagens, cheguei à teoria de que poderia ser uma
senhora com a qual tenho me correspondido nos últimos meses. Seu nome era Orlandina,
e ela trabalhava em uma tenda no Parque da Velha Cigana, como vendedora de
produtos exotéricos.
“Você tem a minha
palavra.”, disse eu, pegando o frasco e colocando na mochila.
Depois da aula, peguei
a bicicleta e fui para o Parque da Velha Cigana, onde Orlandina trabalhava.
Apresentei o frasco para ela, que não se impressionou.
“Hebreus, você disse?
Ora, Max, porque não disse logo? Vamos logo despachar esse infeliz!”
Nós fomos até os
fundos do Parque. Orlandina me alertou que o frasco continha uma grande
quantidade de gás metano, e por isso poderia entrar em combustão a qualquer
momento.
Ao abrir o frasco,
com certa dificuldade, porque eu tinha onze anos, quase doze, quando isso
aconteceu, eu senti um forte cheiro de enxofre e metano misturados. Parecia que
aquilo era uma bomba de fedor! Alguns instantes mais tarde, uma fumaça azul
libertou-se e começou a tomar corpo.
“Livre,
finalment.......”, disse a fumaça.
Mal a fumaça, que
acreditei ser a entidade, pode completar sua frase, Orlandina jogou uma mistura
de óleos aromáticos e Bom Ar, e tudo
aquilo que outrora aparecia em nossa frente desapareceu como num passe de
mágica.
“Isso deve surtir
efeito!”, disse a exotérica, satisfeita. “Venha, Max, temos que fechar sua
visão.”
“Você vai me deixar
cego?”
“Sim e não. Eu vou
fazer algo para impedir que você veja mais coisas sobrenaturais.”
De volta à tenda,
Orlandina me deu um chá para tomar e leu alguns Salmos. Eu comecei a me sentir
meio sonolento e, quando percebi, estava inconsciente. Tudo o que eu me recordo
é de acordar no dia seguinte durante uma aula no laboratório de Ciências,
sentindo um forte cheiro de enxofre...
“Maxwell!”, chamou o
professor.
“Presente!”, disse
eu, levantando de sobressalto.
“Você estava dormindo
no meio da explicação. Eu estava dizendo que vamos trabalhar com certos gases
hoje, eles são fortes, e por isso podem causar dores de cabeça, náusea,
enjoos...”.
Eu só conseguia
pensar na minha empreitada. Teria eu libertado e exterminado uma entidade
sobrenatural? Seria eu médium? Essas dúvidas iriam me assombrar por mais alguns
anos.