Retratação: O relato que eu estou prestes a contar subverte
qualquer opinião que você possa ter sobre o Barão de Rothschild. Discrição do
leitor é necessária.
O Barão de Rothschild
nunca foi com a minha cara. Nós nos conhecemos no ano de 20_ _, ainda na
escola.
Certa vez, em viagem à
cidade de Rotterdam, ele abriu o jogo para mim.
Na época da viagem, eu
dividia o quarto com o Visconde de Chesterfield (Jan Vector) e o Barão de
Rothschild. Depois de um longo dia fazendo observações de campo, o Visconde de
Chesterfield, como um bom fluminense, foi vender suas substâncias ilícitas para
nossos colegas de turma e, de quebra, jogar pôquer com seus comparsas.
O Barão de Rothschild
ficou no quarto estudando o mapa de Rotterdam (e onde esconder seu patrimônio,
caso fosse preciso...). Eu, por minha vez, saí para tomar uma fresca no pátio
da estalagem. Na realidade, o que eu queria, era ver as senhoritas, condessas e
baronesas descendo dos coches. Que cena maravilhosa! Naquele tempo, eu admirava
duas donzelas: condessa de M... e senhorita de S... Era uma alegria vê-las.
Houve um ano em que eu
propusera à senhorita de S... para compromisso, mas eu recebi como resposta um
tiro no peito. No ano seguinte, eu vira a senhorita de S... de mãos dadas com
um advogado e presumi que eles estavam compromissados. Eu fiquei fulo da vida e
enchi a cara de salsaparrilha.
Quando eu voltei para o
quarto, o Barão de Rothschild estava plantado, próximo à cama me olhando com um
olhar severo. A cama que eu escolhi para dormir ficava próxima à parede, ao
lado da porta, e a cama do Barão de Rothschild ficava próxima ao banheiro.
Entre a minha cama e a dele ficava a cama do Visconde de Chesterfield.
“Visconde de Assis!
Entre. Nós precisamos conversar.”
Eu entrei e fiquei
exatamente entre a minha cama e a parede.
“Você é um m****. Você
não presta para nada. Todo mundo, ou melhor, ninguém na escola gosta de você,
porque você é um b****.”
“Por que você está
falando assim de mim?”, eu perguntei.
“Você não reconhece,
seu incompetente? Você é um lixo. Você estraga tudo o que você encosta.”
“Eu fiz algo de
errado?”
“Sim, seu idiota. Você
nasceu. Eu não quero mais ver você.”
Pronto. Aquela foi a
gota d’água. “The last straw”, como diria meu amigo americano. Claro que não
foi o suficiente para chorar, mas eu senti um aperto no peito. Eu deitei na
cama, me contorci e fechei os olhos. Foi como se o Barão de Rothschild tivesse
me dado um soco, ou pior, um tiro na barriga. Mas ele estava certo. Tudo o que
ele dissera aquele dia estava certo.
De repente, alguém
entra no quarto. Era o Visconde de Chesterfield. Ele parecia contente, porque
ganhara no pôquer inúmeras vezes seguidas, deixando seus amigos no chinelo,
além de ter feito lucro vendendo suas substâncias ilícitas para os estudantes
ginasiais.
“O que aconteceu com o
Visconde de Assis?”, perguntou o Visconde de Chesterfield, olhando para mim.
“Ele é maluco. Não
repare nesse tremendo vexame.”, disse o Barão de Rothschild.
O Visconde de
Chesterfield mudou de assunto.
“A duquesa de Vermont
nos convidou para jantar na Maison de Trois. Você quer ir?”
“Essa tralha precisa ir
junto?”, perguntou o Barão de Rothschild.
Assim, o Visconde de
Chesterfield e o Barão de Rothschild me deixaram no quarto escuro sozinho.
Naquela noite, eu não comera nada; não tivera apetite.
Com relação ao que o
Barão de Rothschild dissera, eu não sirvo para nada. Eu sou inútil a ponto das
pessoas só repararem em mim se precisarem de alguma coisa.
Enquanto eu escrevo
essas memórias, me lembrando do que aconteceu 9 anos atrás, eu concordo com
tudo o que o balofo do Barão de Rothschild me dissera, ou quase tudo.
Eu não sei o que
motivou ele a falar isso de mim, mas eu tenho minhas hipóteses. Uma delas é que
nós gostávamos da mesma garota — a condessa de M... — e fazer o que ele fez
seria uma forma de demarcar território, que nem um cachorro quando encontra uma
árvore ou um poste.
Dois anos no futuro a
partir daí, eu conheceria o Conde Rubro que, apesar de ter o mesmo nome do
Barão de Rothschild, é tão maligno quanto!
Se você quiser conhecer
a história do Conde Rubro, procure no arquivo pelo título “Os bastidores da
Gangue do Alemão”.